Parcela significativa dos artigos sobre relações governamentais, institucionais e/ou lobby publicados em 2017 menciona os dois aspectos que têm recebido cada vez mais atenção: transparência e accountability, conceitos mais amplos, e mais precisos, do que a mera burocratização, forma que não necessariamente leva ao conteúdo desejado.
Dos quinze Projetos de Lei propostos entre 1984 e 2014, seja na Câmara dos Deputados ou no Senado Federal, que mencionam a necessidade de regulamentação do lobby, apenas quatro continuam tramitando. Deles, um dos que tem recebido mais atenção da mídia é o PL1202/2007, de autoria do Deputado Carlos Zarattini (PT-SP), que se propõe a disciplinar o chamado “lobby”, mencionando expressamente essa atividade, e a atuação de grupos de pressão ou de interesse no âmbito dos órgãos e das entidades do Poder Público. O Projeto define como “lobista” ou “agente de grupo de interesse”, (i) pessoa, seja ela profissional liberal ou não, (ii) empresa, (iii) associação ou entidade não-governamental de qualquer natureza que exerça “(…) pressão dirigida a agente público (…) com o objetivo de lograr a tomada de decisão administrativa ou legislativa favorável ao grupo de interesse que representa, ou contrária ao interesse de terceiros, quando conveniente ao grupo de interesse que representa” (art. 2º, VII). O projeto prevê o credenciamento desses agentes, que devem se cadastrar no órgão em que atuam ou pretendem atuar, identificando a entidade à qual pertencem. A lei seria aplicável, também, aos agentes públicos que façam lobby para defender seus interesses perante órgãos da Administração Pública (art. 3º, §2º).
O Projeto, ademais, veda que pessoas físicas e jurídicas credenciadas para o exercício de atividades de “lobby” influenciem a apresentação de proposição legislativa com o objetivo de ser contratado para influenciar sua aprovação ou rejeição no âmbito do Poder Legislativo, o que culminaria na cassação de suas credenciais, além da apuração de eventual responsabilidade criminal (art. 4º, caput e parágrafo único). O art. 9º do Projeto define como ato de improbidade, a percepção, por servidor público ou agente político, de qualquer vantagem que possa vir a afetar a isenção em seu julgamento, concedida por lobista. Além de prever a necessidade de regulamentação por Resolução do Tribunal de Contas da União, a infração ao artigo culminaria em demissão do servidor.
Recentemente, foi elaborada a Proposta de Emenda à Constituição 47, de 2016 (PEC 47/2016, ou “PEC do lobby”), com o objetivo de acrescentar no Título III da Constituição Federal, que trata da Organização do Estado, mais especificamente ao Capítulo VII, intitulado “Da administração pública”, subseção que regulamenta a atividade de representação de interesses perante a Administração Pública. Conforme a própria explicação da Ementa, a PEC, ao regulamentar a atividade de representação de interesses perante o Poder Público, prática esta conhecida como “lobby” ou “lobby institucional”, estabelece prerrogativas aos chamados “lobistas” e prevê a possibilidade de responsabilização desses profissionais por ato que infrinjam as vedações estabelecidas na PEC, como a interferência nas atividades de prestação jurisdicional, o oferecimento de vantagens a agentes públicos, entre outras ( art. 1º, §6º).
Percebe-se que, assim como o PL 1202/2007, a PEC tem como objetivo declarado garantir a transparência: a tese que sustenta as proposições é a de que, ao demonstrar quem são os atores que oficialmente se reúnem com congressistas, seria possível zelar pela lisura e pela manutenção do respeito aos princípios da publicidade, da moralidade e da legalidade, que deveriam ser caros às atividades pública e privada no país.
Dos vinte e nove parlamentares que propuseram a PEC, nove são integrantes do PMDB, oito do Bloco Social Democrata (PSDB e DEM). Há também um parlamentar do PR, dois do PP, um do PT, dois do PSB e quatro fora de exercício.
[1] Grande parte dos parlamentares é composta de empresários, advogados ou engenheiros. O fato de parlamentares provenientes de partidos com agendas tão distintas se unirem em torno de um objetivo comum é interessante. Entretanto, a proposta encontra-se, desde 20.09.2016 – ou seja, há quase um ano – aguardando designação de relator na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que deve, conforme os artigos 101, I e 356 do Regimento Interno do Senado Federal (RISF), emitir parecer sobre a constitucionalidade, juridicidade e concordância com o Regimento das matérias que forem submetidas à sua apreciação, particularmente no que se refere às PECs.
A designação – ou não – de relator, e a consequente votação da proposta, dependerá da vontade política de que a Proposta vá adiante, algo que depende, inclusive, da agenda de prioridades do Congresso e interesse dos parlamentares em demonstrar dedicação ao tema.
As propostas de regulamentação burocrática da atividade de relações governamentais partem do pressuposto que a influência política decorre, apenas, de reuniões oficiais e estruturadas – sendo ignoradas iniciativas e estratégias de influência indireta, por intermédio de redes sociais, imprensa, estudos técnicos, publicações na mídia, entre outras. Isso pode indicar o anacronismo da premissa: a forma pode estar sendo valorizada, em detrimento do conteúdo.
Ademais, eventuais restrições para a comunicação entre membros da sociedade e integrantes dos Poderes Públicos podem, inclusive, ser contestadas sob a perspectiva constitucional, uma vez que a promulgação de lei restritiva dos diretos de manifestação, petição e interação democrática é algo contrário a direitos previstos em nossa Constituição como suporte à Democracia real.
Talvez, a finalidade que se pretende – em última análise, o fim da corrupção – poderia ser melhor atingida mediante apuração rápida e eficaz, combinada à punição exemplar dos malfeitos, gerando coerção suficiente para os atores se autolimitarem. A regulação burocrática não é suficiente para impedir descaminhos morais, que podem ser facilmente encobertos pela formalidade simulada. Barreiras regulatórias de forma induzem concentração a favor dos players mais fortemente financiados e estruturados, e apresentam um desafio adicional que desestimula e enfraquece novos atores. A iniciativa de formalização das doações eleitorais empresariais após o escândalo PC Farias e as notícias de sua utilização indevida em fatos recentes milita, na verdade, contra a hipótese de que formalizar e burocratizar inibe desvios éticos.
Mesmo sem a regulamentação, grupos organizados em torno de um objetivo comum continuam manifestando os interesses dos mais diversos setores da sociedade perante órgãos do Poder Legislativo e do Executivo, o que é não só legítimo como útil para ampliar o debate e informar o processo legislativo e decisório em relação a aspectos despercebidos ou até ao anseio social. A atividade de sensibilização e compartilhamento de informações com agentes públicos e políticos não implica, nem pressupõe, corrupção; pelo contrário: torna suportável e produtivo o pacto social para os cidadãos governados. Para verificarmos se este debate será atualizado a nova realidade mundial e brasileira há que se acompanhar quais serão os desdobramentos das iniciativas legislativas, quando ou se efetivamente ocorrerem.
[1] Encontram-se fora de exercício os senhores Pastor Valadares, ex-PDT; José Aníbal, ex-PSDB; Deca, ex-PSDB, e Aloysio Nunes, ex-PSDB, atual Ministro de Estado das Relações Exteriores (MRE). Os autores da PEC 47/2016 são os Senadores: Romero Jucá (PMDB); Aécio Neves (PSDB); Aloysio Nunes Ferreira (fora de exercício – MRE); Ana Amélia (PP); Ataídes Oliveira (PSDB); Dalírio Beber (PSDB); Dário Berger (PMDB); Senador Deca (fora do exercício – ocupava o cargo por ser Suplente do Sen. Cássio Cunha Lima, que havia sido afastado); Edison Lobão (PMDB); Eduardo Braga (PMDB); Elmano Férrer (PMDB); Eunício Oliveira (PMDB); Fernando Bezerra Coelho (PSB); Flexa Ribeiro (PSDB); Hélio José (PMDB); José Agripino (DEM); José Aníbal (fora de exercício – ocupava o cargo por ser Suplente do Sen. José Serra, que havia sido nomeado para um ministério); Pastor Valadares (fora de exercício – ocupava o cargo por ser Suplente do Sen. Acir Gurgacz, que havia sido afastado); Paulo Bauer (PSDB); Paulo Rocha (PT); Raimundo Lira (PMDB); Ricardo Ferraço (PSDB); Roberto Muniz (PP); Ronaldo Caiado (DEM); Rose de Freitas (PMDB); Tasso Jereissati (PSDB); Valdir Raupp (PMDB); Wellington Fagundes (PR); Zezé Perrella (PMDB).