Hoje se completam duas semanas do término do julgamento das dezoito ações de controle concentrado, perante o STF, destinadas a apreciar a constitucionalidade da extinção da contribuição sindical compulsória. Em decisão concluída por 6 votos a 3, o Supremo, enfim, declarou ser constitucional a instituição do caráter opcional quanto ao recolhimento da citada contribuição, conforme estabelecido a partir da Reforma Trabalhista. O tema referente à contribuição sindical obrigatória consistiu, inclusive, no objeto central da maioria das ações diretas de inconstitucionalidade encaminhadas ao STF com o propósito de questionar dispositivos da Lei 13.467/17.
A rápida resposta emitida por nossa Corte Constitucional, ao apreciar referidas ações, revelou, a nosso ver, um oásis de segurança jurídica, aliás, extremamente bem-vindo, em meio a um cenário de incertezas inaugurado desde novembro de 2017, com o início da vigência da Reforma Trabalhista. Neste sentido, foram inúmeras as interpretações divergentes adotadas no âmbito da Justiça do Trabalho quanto à aplicação dos dispositivos da Lei 13.467/17. Particularmente no que diz respeito à contribuição sindical, houve um grande volume de decisões conflitantes, advindas das diversas instâncias do Judiciário Trabalhista, em resposta às ações ajuizadas por entidades sindicais visando à garantia da manutenção do recolhimento compulsório.
Diante de tal conjuntura, é inegável a relevância emblemática que se deve conferir ao julgamento da ADI 5794 (e demais processos apensos), uma vez que se trata da primeira decisão definitiva de mérito proferida pelo plenário da Suprema Corte brasileira, ao apreciar a constitucionalidade de matéria vinculada à Reforma Trabalhista. Extingue-se, assim, de uma vez por todas, o quadro de incertezas gerado em razão da pluralidade de provimentos judiciais em sentidos opostos sobre o tema da revogação do recolhimento compulsório acima tratado.
O julgamento ora em destaque teve como ponto de partida o enfrentamento de discussões em torno de determinadas questões de natureza tributária, as quais serviram de base para alegações de inconstitucionalidade formal em face da Lei 13.467/17, especialmente quanto ao tema da contribuição sindical. Tais questões, todavia, não alcançaram destaque nos votos apresentados pelos ministros do Supremo, os quais, em sua maioria, afastaram de pronto a validade dos argumentos trazidos por referidas teses de inconstitucionalidade formal. A posição adotada pela maior parte dos ministros com relação a este assunto, acompanhou, inclusive, o entendimento acolhido, em linhas gerais, pela Procuradoria Geral da República, conforme parecer emitido nos autos, onde foram apresentadas as conclusões abaixo descritas:
- A supressão da compulsoriedade relacionada à contribuição sindical afastou sua natureza tributária, até então reconhecida pelo STF.
- Conforme o entendimento extraído da jurisprudência consolidada do STF, a Constituição Federal, em seus artigos 146, incisos II e III, e 149, caput, assim como o artigo 217 do CTN, não determinam a exigência de lei complementar para a instituição, ou a extinção, da espécie tributária contribuição de interesse das categorias profissionais ou econômicas. Deste modo, por não se tratar de matéria reservada à lei complementar, será possível, portanto, à lei ordinária dispor validamente sobre a revogação da contribuição compulsória em questão.
- Não subsiste a alegada afronta ao art. 150, §6º da Constituição, uma vez que a finalidade da exigência de lei específica para as situações envolvendo exclusão de crédito tributário/concessão de isenção tributária, instituída em referido dispositivo constitucional, nos termos reconhecidos pela jurisprudência do STF, não abrange a hipótese tratada na ADI 5794 (e demais processos apensos).
- Não se observa, na situação objeto das ações em análise, qualquer afronta ao art. 165, §2º da Constituição. Não há que se falar em exigência de previsão posterior em norma orçamentária, para o caso em destaque, em razão de suposta renúncia de receita por parte da União, uma vez que o art. 165, §2º da Constituição, anteriormente mencionado, não se destina a disciplinar o processo legislativo das normas tributárias. Tal dispositivo não institui, portanto, nenhum requisito de validade formal ou material com relação ao ato normativo apreciado na ADI 5794 (e demais processos apensos).
Superado o exame do debate acerca da constitucionalidade formal da Lei 13.467/17, ingressamos, enfim, na análise da constitucionalidade material da extinção do recolhimento compulsório da contribuição sindical, instituída pela Reforma Trabalhista. Neste contexto, temos que a conformação constitucional estabelecida a partir de 1988 para o sistema sindical brasileiro, nos termos do artigo oitavo de nossa Carta Política, conferiu clara notoriedade ao princípio da liberdade sindical, bem como à garantia de autonomia dos sindicatos, embora tenham sido ainda mantidos alguns resquícios do antigo regime intervencionista estatal, como é o caso das normas relativas à unicidade sindical, à representatividade obrigatória e à contribuição compulsória.
Especificamente no que tange ao princípio da liberdade sindical, ao buscarmos sua conceituação no âmbito de diplomas normativos, poderemos encontrá-la, por exemplo, no texto da Convenção nº 87 da OIT (diploma ainda pendente de ratificação pelo Estado Brasileiro), que o define como sendo o direito garantido a trabalhadores e empregadores, sem distinção de qualquer espécie, de constituir organizações de sua escolha, vedada a exigência de autorização prévia, bem como o direito de se filiar a essas organizações, sob a única condição de se conformar com os estatutos das mesmas.
De outra parte, conforme definido pela doutrina, o princípio da liberdade sindical compreende duas dimensões, quais sejam: I) dimensão positiva – prerrogativa de livre criação e/ou vinculação a uma entidade sindical; II) dimensão negativa – prerrogativa de livre desfiliação da mesma entidade. Ademais, o fato de ambas as dimensões virem previstas em dispositivo da Constituição Federal (art. 8º, V, da CF/88) apresentou-se, justamente, como o argumento central do voto divergente emitido pelo ministro Luiz Fux, em defesa da constitucionalidade material da extinção da contribuição sindical compulsória, no âmbito do julgamento das ADIs e ADC ora tratadas.
O argumento em questão, extraído do voto do ministro Fux, por sua vez, norteou a interpretação acolhida, ao final, pela maioria dos ministros, no sentido de que trabalhadores e empregadores não filiados, efetivamente, não devem ser submetidos ao pagamento obrigatório de contribuição sindical, uma vez que a Constituição de 1988 contém norma clara determinando que “ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato”.
Por outro lado, as razões apresentadas no voto emitido pelo ministro relator, Edson Fachin, evidenciam, a nosso ver, uma demanda de sopesamento entre os princípios regentes do sistema sindical concebido pelo constituinte de 1988. Em outras palavras, para que se possa referendar legitimamente, com base na prevalência do princípio da liberdade sindical, a constitucionalidade da revogação do recolhimento obrigatório aqui avaliado, parece-nos imprescindível realizarmos uma ponderação entre o citado preceito da liberdade sindical e os demais princípios que igualmente fundamentam o sistema sindical brasileiro e que permanecem ainda vigentes no texto da Constituição Federal, a saber: os princípios da unicidade sindical e da representatividade compulsória (artigo 8º, II e III, da CF/88).
Acreditamos ser este o ponto essencial da discussão levada a efeito no julgamento das ações de controle concentrado ora analisadas, tendo em vista a clara vinculação do regime de obrigatoriedade de recolhimento da contribuição sindical com os mencionados princípios da unicidade e representatividade compulsória. Contudo, ao contrário do posicionamento apresentado no voto do ministro relator, acreditamos que o exercício de ponderação acima proposto, em verdade, termina por confirmar a prevalência do princípio da liberdade sindical em face dos demais citados.
Sobre este aspecto, revela-se inegável que a noção de liberdade sindical, inserida no texto da Constituição de 1988, apresenta-se completamente alinhada aos valores de livre escolha e autodeterminação do indivíduo, por seu turno, fortemente acolhidos no contexto das sociedades ocidentais contemporâneas, como é o caso da brasileira. Contrariamente, os princípios da unicidade sindical e da representatividade compulsória vêm sendo interpretados, já há muitos anos, enquanto pilares de um modelo ultrapassado e anacrônico de gestão sindical, estando fora de sintonia, inclusive, com os ideais propostos pela Organização Mundial do Trabalho, elencados, por exemplo, na Convenção de nº 87.
Nesta esteira, e também com base em boa parte das proposições acima mencionadas, o plenário do STF concluiu, por fim e com razão, não haver ofensa à Constituição, tanto no aspecto formal quanto do ponto de vista material, por parte do ato legislativo (Lei 13.467/17) que promoveu a revogação do recolhimento obrigatório da citada contribuição. Concluído este capítulo, cumpre-nos aguardar agora os demais embates que certamente se irão travar na Suprema Corte, em torno das demais mudanças trazidas pela Reforma Trabalhista, com a esperança de que, em um horizonte não tão distante, possamos vir a celebrar, enfim, o desfecho deste difícil período de insegurança jurídica na abordagem das questões advindas das relações de trabalho.
Artigo de: Roberta Cavalcante e Silva