Nomeações Políticas e a posição do STF
As últimas semanas tem sido umas das mais acaloradas no meio político desde o vazamento ilegal das conversas entre os ex-Presidentes Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva em meados de 2016. Para ser mais específico, a sexta-feira (24/04) foi marcada por um “terremoto” de magnitude sem precedentes no Governo do atual Presidente da República Jair Messias Bolsonaro.
Depois de o Presidente exonerar do cargo o Diretor Geral da Polícia Federal, Mauricio Valeixo, homem de confiança de Sergio Moro, este pediu demissão do cargo como Ministro da Justiça. Até aí nada mais do que um troca-troca político que já estamos, infelizmente, habituados a ver em todos os Governos. Vale mencionar que com a saída de Moro, é a nona vez que um ministro deixa o cargo no governo Bolsonaro.
O abalo se deu, no entanto, a partir da entrevista coletiva concedida pelo ex-Ministro, em que este disfere uma série de acusações graves ao chefe do Poder Executivo Federal. Dentre elas destacamos duas:
- que ao assumir o posto de ministro, depois de deixar 22 anos de magistratura, Bolsonaro havia prometido “carta-branca” para escolher e nomear auxiliares, isso com intuito de evitar interferências políticas na sua pasta; e
- que Bolsonaro admitiu que a mudança no comando da PF neste momento, é uma interferência política porque pretende ter na cadeira de Diretor Geral alguém que lhe dê informações sobre investigações e inquéritos em andamento no Supremo Tribunal Federal; para Moro, isso não é atribuição da PF.
Mais tarde naquele dia, o Presidente informou a nação que a troca no comando é uma prerrogativa Constitucional do Chefe do Poder Executivo. Trata-se da Lei 13.047/2014, curiosamente editada pela ex-Presidente Dilma Rousseff. Ela estabelece que o diretor-geral da Polícia Federal é nomeado diretamente pelo Presidente da República (“Art. 2º-C. O cargo de Diretor-Geral, nomeado pelo Presidente da República, é privativo de delegado de Polícia Federal integrante da classe especial.”).
Assim, amparado pelo sombreiro da legalidade, Bolsonaro nomeou na última terça-feira (28/04) Alexandre Ramagem, seu amigo pessoal e dos filhos, para a diretoria-geral da Polícia Federal. Apesar da relação não ser, a princípio, um problema (lembrando que Mauricio Valeixo e Sergio Moro tem uma relação quase simbiótica), fato é, que existem evidências de que Bolsonaro queria tirar Maurício Valeixo e nomear seu apadrinhado com o manifesto desejo de, se não interferir, ao menos obter informações de investigações em curso na Polícia Federal.
Citamos aqui a investigação da tentativa de homicídio contra Jair Messias Bolsonaro, nas palavras do próprio Presidente: “Será que é interferir na Polícia Federal, quase que exigir, implorar Sérgio Moro que apure quem mandou matar Jair Bolsonaro? A PF de Sergio Moro se preocupou mais com a Marielle do que com o seu chefe supremo. Cobrei muito deles aí.”
Não há como ignorar, ainda, conversa por aplicativo entre Moro e Bolsonaro, revelada pelo ex-juiz, evidenciando que o Presidente manifestou o desejo de tirar Maurício Valeixo do comando da Polícia Federal ao comentar nota publicada por um site informando que aliados seus estariam sob investigação.
Assim, motivados pelas denúncias mencionadas acima e visando barrar a posse do escolhido de Bolsonaro, o Partido Democrata Brasileiro (PDT) impetrou Mandado de Segurança Coletivo com pedido Liminar (MS 37.097), julgado na quarta-feira da semana passada (29/04) pelo Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.
Na decisão monocrática, o Ministro argumento que os relatos narrados acima, juntamente com o fato de a Polícia Federal não ser órgão de inteligência da Presidência da República, mas sim exercer, nos termos do artigo 144, §1º, VI da Constituição Federal, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União, inclusive em diversas investigações sigilosas, demonstravam, estarem presentes os requisitos necessários para a concessão da medida liminar suspendendo a eficácia do Decreto que se refere à nomeação e posse de Alexandre Ramagem Rodrigues para o cargo de Diretor-Geral da Polícia Federal.
Neste momento é importante lembrar que por duas vezes o Supremo Tribunal Federal barrou nomeações e posses de Ministros indicados pelo Presidente da República no exercício de sua função constitucional.
Estamos falando de março de 2016, quando o ministro Gilmar Mendes concedeu liminares a dois mandados de segurança (MS 34.070 e MS 34.071) que pediam a suspensão da indicação de Lula por Dilma Rousseff para a chefia da Casa Civil. Nesta oportunidade havia uma evidência — que, mais tarde, descobriu-se forjada pelos vazamentos seletivos praticados por Moro — de que a escolha do nome do líder petista buscaria apenas livrá-lo de eventual decisão judicial.
Ainda neste caso, vale lembrar que de acordo com a decisão exarada pelo Ministro Gilmar, a nomeação de Lula é um caso de “ilícito atípico”. Ou Seja, é o caso de um ilícito que tem “aparência de legalidade”, “destoam da razão que a justifica, escapam ao princípio e ao interesse que lhe é subjacente”.
E lembramos, também, que a Ministra Cármen Lúcia suspendeu a posse da então deputada Cristiane Brasil (filha de Roberto Jefferson), nomeada pelo ex-Presidente Michel Temer para o Ministério do Trabalho, sob o argumento de que a nomeação seria contrária ao princípio da moralidade, determinado pela Constituição, por causa de condenações que Cristiane Brasil sofrerá na Justiça Trabalhista.
Vale mencionar, por fim, que na análise de todos os casos o STF, reconheceu a legitimidade do Presidente da República para as nomeações, entretanto entendeu que os atos estavam caracterizados com vicio pelo abuso de direito e por desvio de finalidade, na medida em que a nomeação não atenderia o interesse público, além de violar gravemente os princípios da Administração Pública previstos no artigo 37 da Constituição Federal (“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.”).
Ainda, segundo o entendimento do STF, o abuso de direito, a fraude à lei e o desvio de finalidade/poder são todos ilícitos atípicos e têm em comum os seguintes elementos: 1) a existência de ação que, prima facie, estaria em conformidade com uma regra jurídica; 2) a produção de um resultado danoso como consequência, intencional ou não, da ação; 3) o caráter injustificado do resultado danoso, à luz dos princípios jurídicos aplicáveis ao caso e 4) o estabelecimento de uma segunda regra que limita o alcance da primeira para qualificar como proibidos os comportamentos que antes se apresentavam travestidos de legalidade.
Concluímos que a Justiça, nas democracias, exerce também o papel de Poder Moderador, se valendo dos freios e contrapesos constitucionais para barrar eventuais abusos por parte de autoridades. À sociedade resta aguardar as cenas dos próximos capítulos.
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Sócio
Núcleo de Direito Consultivo e Contencioso Tributário
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