Mudanças nos Planos de Saúde – Operadoras propõem o Plano “Novo Mundo”
Poucos são os brasileiros que possuem condições de arcar com um bom plano de saúde. Redes sociais e o canal de denúncias da Agência Nacional de Saúde¹ estão repletos de reclamações sobre reajustes arbitrários, negativas de atendimento, descredenciamento de hospitais, clínicas e médicos e a demora na marcação das consultas e procedimentos, o que leva à judicialização em massa e à inúmeras rescisões de contratos.
Segundo dados recentes da ANS, a partir de 2015, mais de três milhões de pessoas que conseguiam pagar planos de saúde passaram a rescindir contratos ou optar por planos com preços menores². Esse contingente agora depende parcial ou integralmente do Sistema Único de Saúde (SUS). Se essa parcela da população perdeu poder de compra em razão da crise econômica, as operadoras se defendem alegando que também foram prejudicadas.
Foi diante desse cenário, que as empresas fornecedoras dos Planos apresentaram em 24 outubro de 2019, na tentativa de chegar ao que chamaram de equilíbrio de mercado, um conjunto de ideias que gostariam de ver incorporadas às normas que regem a saúde suplementar. Apelidado de “Novo Mundo” o documento veio à luz em uma reunião da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) com outras entidades sob o título de “Uma nova saúde suplementar para mais brasileiros”³.
Apesar de se tratar de uma articulação nova, a propositura tem extrema semelhança com os chamados “planos populares” e “planos acessíveis”, que as Operadoras tentaram, sem êxito, emplacar nos governos Dilma e Temer.
Segundo o novo documento apresentado em outubro, o intuito das empresas que compõe o setor é incorporar ao sistema camadas da população que supostamente nunca tiveram acesso ao serviço. Isso seria feito pela chamada modulação das coberturas, que acarretaria mais opções, a preços menores. Presente no encontro, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, elogiou a participação dos planos no debate: “sem a participação do setor privado, não é possível enfrentar o desafio de garantir a toda a população brasileira o direito constitucional de acesso a serviços de saúde de qualidade”.
Empenhado na defesa das ideias apresentadas no Plano “Novo Mundo”, o presidente da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), reforçou algumas das propostas em audiência pública realizada em 26 de novembro de 2019, no Senado Federal. O Presidente sugeriu que o poder público autorize as operadoras a oferecerem convênios que foquem “apenas na atenção primária”, isto é, que cubram somente consultas médicas e exames mais simples, excluindo procedimentos complexos, como cirurgias e internações.
Outra proposta das Operadoras para baratear as mensalidades é o escalonamento gradual dos preços para os clientes com mais de 59 (cinquenta e nove) anos. Atualmente, o último reajuste permitido pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) ocorre nessa idade, qualquer majoração da mensalidade depois dessa faixa etária é considerada discriminatória e, portanto, proibida⁴.
O presidente da FenaSaúde também reclamou dos limites desse reajuste de mensalidade impostos aos planos de saúde individuais pela ANS, responsáveis, segundo ele, por praticamente tirar os planos individuais do mercado, deixando os planos coletivos, que praticamente não sofrem interferências da agência reguladora.
Em contraponto, a diretora do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), lembrou situações abusivas envolvendo planos de saúde antes do Código de Defesa do Consumidor. Segundo ela foi graças ao avanço das leis, que os planos passaram a ser obrigados a aceitar clientes idosos e a cobrir todas as doenças listadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Apesar da premissa de diminuir custos e despesas para os consumidores, a proposta das seguradoras traria, na verdade, a redução do número de serviços, segundo o que afirmou o diretor de relações institucionais do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Igor Britto. Segundo o diretor, o cenário, que já não é satisfatório para os 47 milhões de brasileiros que sustentam o sistema privado, poderia ficar ainda pior.
Ora é natural que em um mercado capitalista como o nosso as empresas tentem aumentar ao máximo as suas margens de lucro, porém é improvável que a proposta seja sequer apresentada por algum parlamentar, tendo em vista que a medida entraria em conflito com as disposições do Código de Defesa do Consumidor. E mais difícil ainda, para não dizer impossível, que a aprovação ocorra no Congresso em ano eleitoral.
O Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) fez um manifesto público⁵ contra a proposta das seguradoras. Esse documento obteve, até agora, a assinatura de mais de 30 entidades ligadas à medicina e à proteção do consumidor. No manifesto, o Idec denuncia os chamados “planos pay-per-view” (pagar para ver). Conforme o órgão, as operadoras pretendem deixar de fora da cobertura atendimentos mais caros e doenças frequentes como câncer e problemas cardíacos.
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) reconhece a importância de entidades promoverem o debate setorial, mas informa também que discute medidas para o enfrentamento dos desafios do setor que estão definidos na Agenda Regulatória da ANS para 2020. Dois deles são a garantia de acesso da população aos planos de saúde e as melhorias relacionadas à cobertura assistencial.
O tema é tão relevante que hoje tramitam em conjunto na Câmara dos Deputados cerca de 150 (cento e cinquenta) Projetos de Lei – todos apensados⁶ ao PL 7.419/2006 – que modificam substancialmente o funcionamento de planos de saúde no País, criando um novo marco legal para o setor.
¹ ANS – agência reguladora vinculada ao Ministério da Saúde responsável pela criação de normas, o controle e a fiscalização setor de planos de saúde no Brasil;
² Disponível em: https://www.ans.gov.br/perfil-do-setor/dados-gerais
³ Disponível em: http://fenasaude.org.br/publicacoes/uma-nova-saude-suplementar-para-mais-brasileiros.html
⁴ O artigo 23º, da Constituição Federal dispõe: “A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem estar e garantindo-lhes o direito à vida.” Já o artigo 15 da Lei n.º 9.656/98 (Lei dos Planos de Saúde) faculta a variação das contraprestações pecuniárias estabelecidas nos contratos de planos de saúde em razão da idade do consumidor, desde que estejam previstas no contrato inicial as faixas etárias e os percentuais de reajuste incidentes em cada uma delas, conforme normas expedidas pela ANS. No entanto, o próprio parágrafo único do aludido dispositivo legal veda tal variação para consumidores com idade superior a 60 anos. Art. 15. (…) Parágrafo único. É vedada a variação a que alude o caput para consumidores com mais de sessenta anos de idade, que participarem dos produtos de que tratam o inciso I e o §1º do art. 10 (…) (G.N.) E mesmo para os contratos celebrados anteriormente à vigência da Lei n.º 9.656/98, qualquer variação na contraprestação pecuniária para consumidores com mais de 60 anos de idade está sujeita à autorização prévia da ANS (art. 35-E da Lei n.º 9.656/98). Na mesma esteira, O Estatuto do Idoso, no seu artigo 15, §3º, trouxe um dispositivo protetivo da população com mais de 60 anos. Art. 15.(…) §3º É vedada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade.
⁵ Disponível em: http://idec.org.br/sites/default/files/manifesto-alerta_planos_de_saude_5.pdf
⁶ Instrumento regimental que permite a tramitação conjunta de proposições do mesmo tipo que tratem de matéria idêntica ou semelhante.
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Núcleo de Direito Regulatório e Relações Governamentais
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