O setor de franquias movimentou entre o segundo trimestre do ano passado e o primeiro trimestre deste 2018 cerca de 165 bilhões de reais em território nacional, 7% a mais em relação ao período anterior, o que fez com que o setor fosse um dos poucos a apresentar crescimento mesmo diante da crise. Segundo dados da ABF (Associação Brasileira de Franchising), a associação que congrega as empresas do setor, o nosso país já é o quarto maior país no mundo em número de redes de franquias, atrás somente de China, Coréia do Sul e EUA; além de ser o sexto em número de unidades. O Brasil já recebe também a segunda maior feira do mundo especializada no tema. Desse conjunto, até o ano de 2016, 138 redes já contavam com participação no exterior. Do ponto de vista interno, até esse mesmo ano de 2016, 42% dos municípios brasileiros já possuíam a presença de franquias empresariais, totalizando 2.321 cidades.
No país, alimentação, moda, saúde e educação são as áreas nas quais as franquias empresariais têm apresentado maior participação, muito embora outros setores, tais como hotelaria e entretenimento, tenham ganhado impulso para a utilização desse instrumento surgido no século 19 nos Estados Unidos e que foi responsável pelo surgimento de marcas hoje mundialmente conhecidas.
Nos EUA, as franquias empresariais são regulamentadas por uma regra editada pela FTC
[1] (Federal Trade Commission), cuja validade é nacional, em conjunto com leis estaduais esparsas, o que é mais uma exceção do que uma regra
[2], e que procuram proteger os franqueados nas suas relações com o franqueador. A regra federal da FTC define a franquia como uma relação comercial contínua em que há três elementos: Marca Registrada, Controle Significativo ou Assistência, bem como o Pagamento de Taxa de pelo menos 500 dólares pelo franqueado ao franqueador nos primeiros seis meses.
Além disso, a regra da FTC exige o fornecimento de informações sobre 23 pontos que tratam desde a identificação do franqueador quanto a aspectos relacionados à proteção de propriedade intelectual. Mais especificamente: (i) experiência profissional do franqueador; (ii) regras de litigância do modelo de franquia; (iii) investimento inicial estimado; (iv) obrigações do franqueado; (v) regras de renovação, término, transferência e resolução de disputas; (vi) restrições sobre a atuação do franqueado; (vii) descrição detalhada do modelo são alguns dos pontos exigidos pelo FDD (Franchise Disclosure Document), denominação dada a partir de 2007 ao UFOC (Uniform Franchise Offering Circular – em português: Circular de Oferta de Franquia Uniforme), instrumento legal fornecido pelo franqueador a um possível franqueado com pelo menos 14 dias de antecedência da assinatura de qualquer forma contratual ou forma de pagamento (No Brasil, esse prazo é atualmente de 10 dias).
Já no Brasil, as franquias empresariais são regulamentadas até o momento pela Lei nº 8.955/1994, que absorveu a ideia de Circular de Oferta de Franquia (COF) da norma estadunidense enquanto mecanismo de regulamentação da relação entre franqueador e franqueado. Diferentemente de alguns estados americanos que exigem registro dos documentos por parte do franqueador como condição para a realização de venda ao franqueado, a regra brasileira atualmente em vigor dá à COF validade independentemente do registro em cartório, tornando-se opcional – não obstante a COF deva ser registrada junto ao INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) para que haja a efetivação da proteção dos elementos de Propriedade Intelectual, que são centrais nesse tipo de relação empresarial, além de ser condição para que o Banco Central autorize remessas ao exterior em casos de contratos de franquia internacional envolvendo transferência de tecnologia.
Muito embora o investimento em franquias seja uma opção em geral segura e com ótimas chances de sucesso, é possível que investidores apostem em um negócio sem ter a quantidade de informação necessária para conduzir uma franquia para o estágio de crescimento esperado. Nesse sentido, vem sendo discutido no Senado Federal o Projeto de Lei da Câmara 219/2015, oriundo do Projeto de Lei 4386/2012.
A nova regulamentação que está em discussão exige mais detalhes em relação à Circular de Oferta de Franquia, como a exclusão da hipótese de vínculo empregatício ou consumerista da relação franqueado-franqueador, por exemplo. Ela também exige que o franqueador seja o titular, requerente ou expressamente autorizado pelo titular da Propriedade Intelectual negociada no contrato de franquia. O Projeto também propõe, dentre outras medidas, que se amplie de 12 para 24 meses o período pelo qual o franqueador deverá indicar os franqueados desligados.
Em paralelo às mudanças na COF, a medida passa a permitir o uso do mecanismo da franquia empresarial por Empresas Públicas, além de autorizar o uso de cláusula arbitral como meio de resolução de conflitos e regulamentar o uso de sublocação quando incluída no contrato de franquia. O Projeto também prevê que nos casos de contratos internacionais de franquia haja a possibilidade de cláusula de eleição de foro pelas partes. Sobre isso é importante notar que a proposta se atenta apenas à escolha de foro e não fala nada sobre a escolha da lei aplicável. Nesse caso, ou o legislador crê que o contrato de franquia exija forma essencial
[3], muito embora a medida discutida não fale nem mesmo sobre registro ao contrário da atual Lei em vigor, ou estamos diante de uma confusão entre Foro e Lei Aplicável, que são institutos jurídicos distintos e que podem ser alterados em contrato
[4], mesmo que o Projeto tenha se referido apenas sobre essa possibilidade em relação ao primeiro.
Com relação ao uso da franquia empresarial por Empresas Públicas, o Projeto buscou se adequar ao que determina a Lei nº 8.666/1993 para a realização de licitações para a escolha dos franqueados. A ausência dessa adequação foi determinante para o arquivamento do PL 3234/2012, que também discutia o tema. Agora a janela de discussão está aberta no Senado em uma nova oportunidade para o debate do tema tanto pelo Congresso como também pelo Mercado e a Sociedade.
________
[1] Disclosure Requirements and Prohibitions Concerning Franchising & Disclosure Requirements Concerning Business Opportunities – 16 CFR Parts 436 and 437
[2] Até o ano de 2011 os seguintes estados americanos contavam com regras específicas no tema: Alaska, Arkansas, California, Connecticut, Delaware, Hawaii, Idaho, Illinois, Indiana, Iowa, Maryland, Michigan, Minnesota, Mississippi, Nebraska, New Jersey, North Dakota, Rhode Island, South Dakota, Virginia, Washington e Wisconsin
[3] Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro.
Art. 9º. Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem.
- 1o Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato.
[4] DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado (Parte Geral). Rio de Janeiro: Renovar, 2011. pp. 330 e s.