A responsabilização dos agentes públicos durante a Pandemia – MP 966
A Medida Provisória (MP) n.º 966, publicada na última quinta-feira (14/05) no Diário Oficial da União, talvez seja uma das medidas de enfretamento ao Covid-19 mais polêmica de todas as anunciadas pelo Governo Federal até o presente momento.
O texto da Medida, que dispõe sobre a responsabilização de agentes públicos em atos relacionados com a pandemia decorrente do coronavírus, ganhou imenso destaque nas mídias e, principalmente, nos círculos formados por profissionais do Direito, dado o regramento que nela foi sistematizado em relação ao assunto.
O extremo alvoroço se iniciou quando foi possível concluir que a MP prevê que agentes públicos envolvidos na resposta à pandemia da covid-19 e aos danos por ela causados na economia, só serão punidos se agirem ou se omitirem com dolo (propositalmente) ou por “erro grosseiro”.
Aos olhos mais desatentos, trata-se de uma “carta branca” conferida pelo Presidente da República aos agentes públicos no exercício de suas funções durante a pandemia. Ainda pior, dada a generalidade do texto da MP, ela poderia, ser utilizada para mitigar eventuais sanções que poderiam penalizar Bolsonaro caso o presidente seja, eventualmente, demandado judicialmente por conta de suas saídas em público, nas quais expõe-se de forma irresponsável e provocando aglomerações.
Teorias e teses conspiracionistas não faltam neste momento tão difícil e excepcional que vivemos. Ainda mais, quando analisamos uma Medida Provisória editada no meio de uma crise que inova muito pouco no ordenamento jurídico brasileiro e que, aparentemente, fere os princípios da Administração Publica consagrados no artigo 37 da Constituição Federal, a sensação disseminada é de completa insegurança jurídica.
Assim, passados poucos dias da publicação da norma, diversas entidades ajuizaram Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI´s 6421, 6422, 6424, 6425, 6427, 6428) para contestar a Medida Provisória 966, além de outras normas federais que restringem a possibilidade de responsabilização dos agentes públicos.
E é aí que devemos nos atentar, pois, como mencionado, já existem outras normas federais com o mesmo teor. O artigo 28 do Decreto-Lei nº 4657 de setembro de 1942, (Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro – LINDB) prevê o seguinte:
“Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro”
Em contrapartida, o artigo 1º da MP, em seu caput, estabelece que os agentes públicos somente poderão ser responsabilizados nas esferas civil e administrativa se agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro pela prática de atos relacionados com as medidas de enfrentamento da pandemia da Covid-19. A redação do dispositivo é praticamente idêntica à do artigo 28 da LINDB, com pequenos complementos.
Então surge a seguinte dúvida: se já existia norma, por que publicar outra? Nas palavras do Ministro da Economia Paulo Guedes: “para que os gestores possam continuar guiados apenas por dois objetivos – salvar vidas e evitar um colapso econômico do País –, é necessário que tenham um altíssimo grau de segurança jurídica. É preciso que suas decisões mais impactantes, tomadas de boa-fé e voltadas para esses objetivos, sejam livres das amarras futuras de processos de responsabilização. É preciso que o gestor saiba que, especialmente nessa situação, não deve temer que suas ações sejam confundidas com as práticas ilegais daqueles que eventualmente se aproveitarem do momento para corromper.”[1]
Importante lembrar, que nem a LINDB, nem MP, são salvo-conduto para malfeito. O mau gestor continuará sujeito à lei de improbidade e às sanções administrativas e penais. Os erros grosseiros seguem sem nenhuma proteção jurídica, como deve ser.
É certo, entretanto, que diante da imensa repercussão da edição da MP, pode-se inferir que quem anseia por medidas que tragam mais segurança jurídica é a sociedade, principalmente, contra atos de corrupção tão difíceis de serem fiscalizados, identificados e reprimidos em momentos de exceção. Inclusive, nesse sentido, vale destacar o Projeto de Lei n.º 346 de 14 de maio de 2020, da Assembleia Legislativa de São Paulo, que estabelece penalidades administrativas aos agentes públicos que cometerem atos de corrupção e improbidade envolvendo recursos e bens destinados ao enfrentamento de pandemias e/ou calamidade pública.
[1] Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8110754&ts=1589932707710&disposition=inline – Acesso em 20/05/2020
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Núcleo de Direito Consultivo e Contencioso Tributário
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