A gênese da Agência Brasileira Dos Museus (ABRAM)
A distinção da estrutura administrativa da recém-criada Abram e a abordagem sobre os desdobramentos político-institucionais decorrentes da gênese desta nova entidade.
Após o incêndio que destruiu a sede do Museu Nacional do Brasil e quase a totalidade do acervo histórico e científico, o Presidente da República editou a Medida Provisória nº 850, de 10 de setembro de 2018, que autorizou o Poder Executivo federal a instituir a Agência Brasileira de Museus – Abram e extinguiu o Instituto Brasileiro de Museus – Ibram[1].
Os objetivos deste artigo são esclarecer a diferenciação da estrutura administrativa da Abram em relação às agências reguladoras tradicionais[2] e pontuar resumidamente os desdobramentos político-institucionais iniciais decorrentes da gênese desta nova entidade.
A Abram, não obstante ser denominada agência, tem natureza jurídica de serviço social autônomo e se sujeita ao regime jurídico de direito privado, “sem fins lucrativos, de interesse coletivo e de utilidade pública”[3]. Importa, portanto, estabelecer, de modo absolutamente diferencial, a significação do termo definidor “agência” em relação às tradicionais agências reguladoras e em relação à Abram.
Dito isso, temos que a nova entidade terá como finalidade a gestão das instituições museológicas e seus acervos e a promoção do desenvolvimento do setor cultural e museal[4]; também ficará responsável pela reconstrução do Museu Nacional e de seu acervo[5]. Diferentemente, as agências reguladoras brasileiras foram criadas a partir do ano de 1996 com base na experiência internacional. A estrutura administrativa destes órgãos foi estabelecida com a previsão de sua independência decisória (ou autonomia reforçada) em relação ao poder executivo, de sua autonomia financeira, de suas decisões em regime colegiado e com a garantia de mandato fixo dos respectivos dirigentes. Além disso, para as agências reguladoras existem mecanismos de controle social como audiências e consultas públicas que integram o conceito de legitimação pelo procedimento[6].
Postas estas diferenças estruturais, é pertinente dizer que a Abram, devido a sua natureza e ao seu regime jurídico, não terá capacidade normativa e reguladora. Caberá à entidade a promoção de estudos colaborativos com União que possam subsidiar a criação de normas, diretrizes e procedimentos para aperfeiçoamento dos modelos de gestão das instituições museológicas, e não a edição de normas[7] e a regulação estatal. Com esta ordem de ideias, há de se esclarecer que a atividade regulatória – que, repita-se, não pode ser exercida pela Abram – corresponde a uma espécie do gênero atividade administrativa pela qual se manifesta um direito administrativo menos autoritário e mais consensual, isto é, aberto à interlocução com a sociedade[8]. Em outras palavras, a regulação estatal é um meio de intervenção no domínio econômico que serve, ao mesmo tempo, para assegurar condições para exploração de atividades econômicas e à consecução de objetivos públicos, conforme os princípios da ordem econômica[9].
Cabe agora delinear quais são os órgãos da nova entidade[10], são eles: I) O Conselho Deliberativo, que é órgão de deliberação superior da Abram, constituído por: Ministro de Estado da Cultura, Diretor-Presidente da Diretoria Executiva, quatro representantes do Poder Executivo federal titulares e quatro suplentes, e por três representantes de entidades privadas de setor de cultura e museologia titulares e três suplentes, todos estes deverão ser indicados na forma do regulamento. Exercerão mandato de dois anos, sendo permitida uma recondução por igual período, participação não remunerada; II) Diretoria Executiva, órgão de direção, integrada por Diretor-Presidente e quatro Diretores, todos exercerão mandato de quatro anos, permitida uma recondução, por igual período, e poderão receber remuneração. III) Conselho Fiscal, órgão de fiscalização, formado por três membros titulares e três suplentes, escolhidos pelo Conselho Deliberativo, sendo: (i) dois titulares e dois suplentes indicados pelos representantes do Poder Executivo federal, (ii) e um membro titular e um suplente indicados pelos representantes de entidades privadas.
É interessante ressaltar que a Abram poderá contratar e administrar pessoal sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho[11]. No que tange aos recursos financeiros da entidade, é notória a grande quantidade de fontes de receita, como: recursos de contribuições sociais, recursos transferidos de dotações consignadas no Orçamento Geral da União, doações, créditos adicionais, transferências ou repasses etc.[12].
Além disso, o Presidente da República editou também a Medida Provisória nº 851, de 10 de setembro de 2018, que dispõe, dentre outras coisas, sobre a arrecadação, gestão e destinação de doações de pessoas físicas e jurídicas. Com efeito, a Abram poderá ser apoiada pelas doações recebidas na forma da Medida Provisória nº 851/2018, por se enquadrar nas espécies de entidades elencadas no parágrafo único do art. 1º e art. 2º, inciso I, dessa norma jurídica.
Vistos estes elementos jurídicos que diferenciam as estruturas administrativas das agências reguladoras tradicionais e a Abram, salta aos olhos a inevitável conclusão de que a atividade da entidade difere substancialmente de uma atividade de intervenção estatal no domínio econômico.
No que diz respeito aos desdobramentos político-institucionais iniciais, pode-se apontar, resumidamente, a pretensão do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – Sebrae em ingressar com mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal – STF, com intuito de suspender o remanejamento de 6% de seus recursos para Abram, além de, após o período eleitoral, pretender discutir a questão no Congresso Nacional.[13]
Vigendo desde 10 de setembro, as Medidas Provisórias têm o prazo até 9 de novembro (60 dias a partir de sua publicação), prazo que poderá ser prorrogado por igual período, para serem apreciadas no Congresso Nacional. Devido às eleições, o trâmite no Legislativo está parado, mas o prazo de vigência não. É necessário que as duas Casas separadamente apreciem as matérias para, então, os textos serem promulgados.
[1] Advogado do Correia da Silva Advogados. Mestrando em Direito da Regulação pela Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas no Rio de Janeiro; Possui MBA Executivo em Direito Empresarial pela FGV Direito Rio (2014) e graduação em Direito pela Universidade Federal Fluminense (2006).
[2] Estagiário da Correia da Silva Advogados. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Público.
[1] Os autores agradecem as sugestões de Heloisa Rodrigues Itacaramby Bessa, Mariana Barros de Oliveira e Joao Victor Cialdini Accica Silva.
[1] O Ibram foi criado em 2009 pela lei nº 11.906. Tratava-se, conforme o art. 1º de sua lei de criação, de uma “autarquia federal, dotada de personalidade jurídica de direito público, com autonomia administrativa e financeira, vinculada ao Ministério da Cultura”.
[2] As agências reguladoras federais são: A Aneel (Lei n° 9.427/1996), a Anatel – Agência Nacional de Telecomunicações (Lei n° 9.472/1997), a ANP – Agência Nacional do Petróleo (Lei n° 9.478/1997), a Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Lei n° 9.782/1999), a ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar (Lei n° 9.961/2000), a ANA – Agência Nacional de Águas (Lei n° 9.984/2000), a Antaq – Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Lei n° 10.233/2001), a ANTT – Agência Nacional de Transporte Terrestre (Lei n° 10.233/2001), a Ancine – Agência Nacional do Cinema (Medida Provisória n° 2.228/2001) e a Anac – Agência Nacional de Aviação Civil (Lei n° 11.182/2005).
[3] BRASIL, Medida Provisória nº 850, de 10 de setembro de 2018, art. 1º: “Fica o Poder Executivo federal autorizado a instituir a Agência Brasileira de Museus – Abram, serviço social autônomo, na forma de pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos, de interesse coletivo e de utilidade pública, com a finalidade de gerir instituições museológicas e seus acervos e promover o desenvolvimento do setor cultural e museal”.
[4] Ibid.
[5] Ibid, art. 22: “A Abram será responsável pela reconstrução do Museu Nacional, de que trata o Decreto-Lei nº 8.689, de 1946, e de seu acervo”.
[6] Isto é, a atenuação do déficit democrático por um procedimento que garanta a participação pública. Segundo Egon Bockmann Moreira, é necessário que se multiplique os sistemas de controle, isto é, que exista um verdadeiro procedimento, “uma elaboração normativa pelo que contasse com uma atividade mais proativa das agências reguladoras no sentido de que elas, as agências, instigassem a participação de órgãos de representação específicos, quem sabe até o Ministério Público, as associações de consumidores, sindicatos, e, por outro lado, que fosse possível, num segundo momento, um sistema de múltiplos controles, ou seja, controle quanto à substância de provimento, controle pelo Congresso Nacional, controle pela sociedade”. MOREIRA, Egon Bockmann. Há um Déficit Democrático nas Agências Reguladoras? R. de Dir. Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 2, nº. 5, p. 163-224, jan./mar. 2004
[7] Ibid, art.2º, inciso II: “Compete à Abram, mantidas as competências do Ministério da Cultura: (…) II – promover estudos colaborativos com a União que possam subsidiar a criação de normas, diretrizes e procedimentos com vistas a aperfeiçoar os modelos de gestão, desempenho e sustentabilidade das instituições museológicas e estabelecer normas e procedimentos internos que visem melhores práticas”.
[8]MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Regulação e interesses públicos. São Paulo. Malheiros, 2002, p. 194-211.
[9] BRASIL. Constituição Federal de 1988, art. 170. Além disso, o art. 174 da CF reserva ao Estado a função de agente regulador de todas as atividades econômicas e não apenas para aquelas em que incide o regime de direito público, derrogatório da livre iniciativa (art.175).
[10] Conforme disposto nos artigos 5º, 6º, 7º e 8º da MP 850/2018. BRASIL, Medida Provisória nº 850, de 10 de setembro de 2018.
[11] Medida Provisória nº 850, de 10 de setembro de 2018, art. 15.
[12] Ibid, art. 3º e incisos.
[13] Disponível em:
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