COVID-19, Lei 13.979 e a dispensa de Licitação
Nas últimas semanas, influenciadores e tomadores de decisão do setor público e da iniciativa privada estão concentrados em busca de soluções cientificas, sociais e econômicas para lidar com a pandemia reconhecida em virtude do Covid-19. Em razão disso, no mundo todo, medidas administrativas e políticas públicas têm sido adotadas em busca da manutenção da saúde, do bem estar e da segurança de cidadãos.
Na realidade experimentada em nosso País, apesar da guerra travada entre algumas autoridades, tendo como pauta a polarização “economia x saúde“ como se áreas dissociadas fossem, fato é que teremos implicações sociais e econômicas a médio prazo, e sobre elas devemos nos debruçar como sociedade, antecipando cenários, na medida do possível, e nos planejando para a definição e implementação de estratégias, inclusive no âmbito das compras públicas.
Apenas para se dimensionar a relevância do tema compras públicas, ao todo, as denúncias comprovadas no âmbito da Operação Lava Jato somam mais de R$ 47 bilhões em desvios, segundo informações do Ministério Público Federal.
Ocorre que hoje vivemos uma realidade completamente diferente, tendo em vista a pandemia decorrente do Coronavirus. Foi diante desse cenário que o Congresso Nacional e o Governo Federal autorizaram, por meio da edição da Lei 13.979 de 2020 (que frise-se, posteriormente foi alterada pela Medida Provisória 926 de 20 de março de 2020), a compra pública dispensada de Licitação. Trata-se da mesma norma que permite a adoção de medidas como isolamento de doentes, quarentena e a realização de testes e de tratamentos compulsórios.
Amparado pela Lei 13.979, desde 4 de fevereiro até o dia 10 de abril, o governo federal gastou R$ 703,6 milhões em compras sem licitação para o combate à pandemia provocada pelo novo coronavírus (covid-19).
Desde então, foram realizadas 997 dispensas de licitação para a compra de materiais de prevenção e de enfrentamento à covid-19, tais como álcool em gel, sabonete líquido, termômetros digitais, máscaras e equipamentos mais complexos, como respiradores.
Segundo a Agência Brasil, os órgãos que mais fizeram compras sem licitações foram a Fundação Oswaldo Cruz, com R$ 305,83 milhões (43,47% do total gasto); o Ministério da Saúde, com R$ 206,35 milhões (29,33%); e a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, com R$ 107,75 milhões (15,31%). Entre os estados, Pará (R$ 27,53 milhões), São Paulo (R$ 127,51 mil), Paraná (R$ 30,4 mil), Rio de Janeiro (R$ 10,2 mil) e Mato Grosso do Sul (R$ 723) adquiriram materiais sem licitação por meio do Sistema de Compras do Governo Federal (Comprasnet).
Tratando objetivamente da Lei 13.979, esta inova o ordenamento jurídico pátrio ao prever novas hipóteses de dispensa de licitação, diferentes daquelas já previstas nos artigos 24 e 25 da lei 8.666/93 (Lei de Licitações).
No bojo do art. 24, inciso IV, especificamente, a Lei 8.666/93 trouxe à baila a hipótese de dispensa de licitação nos casos de emergência ou de calamidade pública, com prazo máximo para conclusão de 180 (cento e oitenta) dias. Para a caracterização deste cenário, é necessário o atendimento concomitante de dois requisitos: urgência no atendimento emergencial e possibilidade de prejuízo ou comprometimento da segurança das pessoas, serviços ou bens públicos ou particulares (TORRES, 2018).
Retornando à questão relativa à criação de nova hipótese de dispensa de licitação, pela Lei 13.979/2020, é válido salientar que essa hipótese não se confunde com a dispensa prevista no art. 24, inciso IV da Lei 8666/93. Aquela, prevista no artigo 4º da Lei 13.979, deve ser utilizada: a) tão somente enquanto perdurar o estado de emergência de saúde internacional decorrente do coronavírus, conforme disposição do parágrafo primeiro do art. 4º – limite temporal; e b) especificamente para aquisição de bens, serviços ou insumos relacionados com o enfrentamento da emergência de saúde pública (art. 4º, caput) – limite material.
Significa dizer, em outras palavras, que se a Administração Pública precisar adquirir respiradores, ventiladores pulmonares, máscaras e demais insumos voltados ao atendimento de pacientes em situações graves, decorrentes do COVID-19, poderá realizar a contratação de empresa apta a fornecer, através do processo de dispensa de licitação, atendendo inclusive, ao princípio da eficiência.
Ainda é importante destacar que não somente os bens e insumos relacionados à área da saúde podem ser submetidos ao processo de dispensa, mas também, aqueles bens que, justificadamente, estiverem relacionados ao enfrentamento da crise do coronavírus, em atendimento do interesse público.
De qualquer maneira, outro requisito fundamental para a adoção da compra dispensada de licitação é que os agentes públicos, quando da adoção do instituto da dispensa fundamentada na Lei 13.979/2020, justifiquem a opção por esse modelo de contratação, no bojo do processo administrativo, que deve registrado no órgão, devidamente justificado e motivado pelos agentes públicos.
É preciso definir que a escolha foi para o enfrentamento da crise do coronavírus e que exista um nexo de causalidade entre o fato ocorrido e a consequência jurídica objetivada nessa contratação.
Por fim é importante nos conscientizarmos de que momento atual de crise, jamais vivenciado, nos traz uma tarefa no sentido de contratar o mais rápido possível, deixando de lado o formalismo excessivo e tutelando os direitos fundamentais do ser humano, que é o direito à vida e à saúde.
No entanto, com o histórico de corrupção no que se refere às compras públicas que possuímos no Brasil, permitir a dispensa da licitação sem criar mecanismos eficazes de transparência, controle e integridade, é o mesmo que permitir situações ilegais e permeadas de abusos.
Cabe, portanto, aos atores políticos e empresas prestadoras de serviço e fornecedoras de produtos, implementarem comportamentos e ações consistentes com um conjunto de princípios e padrões éticos e morais, que deverá ser adotado por indivíduos e instituições, com a finalidade de criar barreiras que impeçam corrupções e fraudes.
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Sócio
Núcleo de Direito Consultivo e Contencioso Tributário
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