Responsabilidade da empresa licitante. Divergência no objeto social.
A responsabilidade dos sócios e administradores de empresas quando ocorrer divergência entre o objeto social e o objeto licitado para fornecimento à Administração Pública.
Muitos devem ser os cuidados ao licitar e contratar com a Administração Pública, ainda mais em tempos cujos critérios têm sido examinados com olhos atentos pelos Tribunais do País diante da avassaladora constatação de erros nas contratações mediante licitações e seus consequentes casos de improbidade administrativa.
Um dos pontos que merecem muita atenção refere-se ao objeto social da pessoa jurídica participante do certame. Este deve obrigatoriamente abranger e ser condizente com o objeto licitado, conforme entendimento do Tribunal de Contas da União.
Em recente acórdão proferido pelo TCU (acórdão 759/2017), cuja leitura dos fatos se faz interessante, o Tribunal reafirmou o entendimento pacificado de que: “A Administração deve abster-se de convocar licitantes cujo ramo de atividade econômica seja incompatível com o objeto da licitação realizada”. Entendimento este já esposado no acórdão 67/2000 do Plenário e no acórdão 1021/2007 – Plenário em que o Rel. Min. Marcos Vilaça assenta o entendimento de que “inviável a habilitação de licitante cujo objeto social é incompatível com o da licitação”.
No caso em análise pelo TCU, a empresa havia sido aberta em dezembro de 2012 com atuação no ramo de papelaria e, posteriormente, contratada mediante dispensa de licitação para fornecimento de gêneros alimentícios em fevereiro/2013. Assim, o Tribunal condenou seus sócios ao pagamento de multa prevista na Lei 8.443/92.
A obrigatoriedade de apresentação dos documentos constitutivos da empresa licitante na fase de habilitação está prevista no artigo 28, III da Lei 8666/93, valendo frisar que a Lei elenca a apresentação de “ato constitutivo, estatuto, ou contrato social em vigor (…)”, ou seja, o termo “ato constitutivo” é gênero, já que o ato constitutivo em si, a depender do tipo societário, é espécie.
Já a obrigatoriedade da atividade empresarial ser condizente com o quanto conste no ato constitutivo da empresa decorre da Lei 6.404/76, que dispõe sobre as sociedades por ações, assim dispondo:
“Art. 2º Pode ser objeto da companhia qualquer empresa de fim lucrativo, não contrário à lei, à ordem pública e aos bons costumes.
§ 1º Qualquer que seja o objeto, a companhia é mercantil e se rege pelas leis e usos do comércio.
§ 2º O estatuto social definirá o objeto de modo preciso e completo.
§ 2º O estatuto social definirá o objeto de modo preciso e completo.
A referida legislação, publicada anteriormente à Constituição Federal, foi recepcionada não somente pela CF/88 como também pelo Código Civil, e de acordo com o entendimento da 3ª Turma do STJ deve-se fazer a aplicação subsidiária da Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6404/76) às sociedades limitadas para suprir as lacunas da sua regulamentação legal. (STJ – REsp: 1396716 MG 2013/0253770-4, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 24/03/2015, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 30/03/2015).
Importa frisar que mencionada legislação prevê em seu artigo 158, II a responsabilização civil do administrador pelos prejuízos que causar quando este proceder com violação da lei ou do estatuto, assim, denota-se que este deve agir dentro do quanto definido nos atos constitutivos.
Da mesma forma, esses entendimentos foram reprisados no Código Civil, de forma que em seu artigo 46, I prevê a determinação para que o registro das pessoas jurídicas declare “a denominação, os fins, a sede o tempo de duração e o fundo social, quando houver” e no artigo 50 prevê a responsabilização dos administradores ou sócios da pessoa jurídica em caso de “abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade”.
Não obstante, a Lei 8.934/94 que dispõe sobre o registro público de empresas mercantis também determina em seu artigo 35,III que não poderão ser arquivados “ os atos constitutivos de empresas mercantis que, além das cláusulas exigidas em lei, não designarem o respectivo capital, bem como a declaração precisa de seu objeto, cuja indicação no nome empresarial é facultativa”, demonstrando-se assim a relevância da definição clara e precisa do objeto da empresa.
Em que pese a existência de correntes doutrinárias opostas ao entendimento acima explanado, o juízo que tem prevalecido nos Tribunais de Contas e Tribunais de Justiça é o “princípio da especialidade da personalidade jurídica das pessoas jurídicas” esse princípio “restringe a atuação das pessoas jurídicas aos limites do objeto social”.
Assim, deve adotar-se cautela quando da participação em certames, sendo necessária a análise da coerência do objeto social com o objeto licitado, e se necessário, proceder com a adaptação do contrato social ou ato constitutivo da empresa requerendo-se eventuais autorizações regulatórias, se o caso.
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